O Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJus) do Estado de Roraima foi instituído recentemente com o intuito de fornecer respaldo técnico-científico para a tomada de decisão judicial em saúde no estado.
O blog Rede NATJus conversou com João Henrique Corrêa Machado, responsável técnico pelo NATJus Roraima, sobre o trajeto do núcleo desde sua criação. Confira a entrevista abaixo.
Blog Rede NATJus: Conte-nos um pouco sobre o processo de criação do NatJus Roraima.
João Henrique: Tudo se iniciou quando o Conselho Nacional de Justiça intensificou suas ações no âmbito da judicialização da saúde. Neste contexto, em meados de 2015, o Juiz Aluízio Ferreira, atual Coordenador do NA-Jus Roraima, teve contato direto com o NATJus Rio de Janeiro. Tendo visto o trabalho desenvolvido, e com o intuito de melhorar a prestação de serviço à população na judicialização de demandas de saúde, a qual vinha se agravando muito no contexto do Estado de Roraima, o coordenador uniu parceiros e, com a ajuda do Comitê Estadual de Saúde, presidido pelo Desembargador Almiro Padilha, deram início ao projeto de criar um NA-Jus no Tribunal de Justiça do Estado de Roraima. Foi em 2017, após assinatura de um Termo de Cooperação entre o Tribunal, a Secretaria de Saúde do Estado de Roraima e do Município de Boa Vista que surgiu o embrião do que viria a ser o NATJus Roraima.
O trabalho para implantar de forma plena o NATJus Roraima foi gigantesco, por muito tempo havia apenas um servidor no núcleo. Não havendo outros profissionais disponíveis, era preciso criar tudo do zero. Termos médicos eram desconhecidos, a forma de coletar dados médicos dos processos precisava ser desenvolvida, e não ter base de comparação era desafiador. Quase um ano inteiro foi necessário para definir uma rotina de coleta de dados, de comunicação com outros NATJus, e definir, assim, um formato de trabalho. Após algum tempo formou-se uma equipe administrativa em que éramos dois servidores e um estagiário. Até este momento o Tribunal de Justiça estava arcando com toda a estrutura do NATJus, mas o trabalho ficava cada vez mais intenso, tivemos que ganhar a confiança dos órgãos de saúde locais, várias reuniões foram feitas para convencer que o NATJus era essencial na judicialização da saúde.
Blog Rede NATJus: Quais foram as barreiras e os facilitadores locais, próprios da região?
João Henrique: Vale lembrar que a realidade da saúde do norte do país difere muito das demais regiões e que foi preciso apresentarmos soluções para alguns empasses. Um dos desafios foi desenvolver uma ferramenta que possibilitasse o trabalho dos nossos profissionais 100% a distância. Não seria mais necessário manter estes médicos, enfermeiros e farmacêuticos longe de seus postos de trabalho para que ficassem em frente a computadores no Tribunal. Dessa forma, foi possível apresentar uma solução palatável aos gestores e tentar montar uma equipe qualificada e disponível.
Com a atuação do Desembargador Almiro Padilha, do Juiz Aluízio Ferreira e da Coordenadora Médica Dra. Mariângela Nasario, junto às autoridades locais, tivemos espaço para trazer o Estado e o Município para o debate. Conseguimos organizar reuniões bilaterais e após muita negociação foi realizada uma reunião geral com todos aqueles com poder decisório sobre a saúde no Estado de Roraima, dali partiu a consolidação do NATJus Roraima.
Blog Rede NATJus: Qual é a composição atual da equipe do NATJus Roraima?
João Henrique: Atualmente, o NATJus é composto por um juiz coordenador, um técnico judiciário, uma auxiliar administrativa, dois estagiários, seis médicos, oriundos do Estado, do Município e do Tribunal, uma enfermeira, oriunda do Município, e uma farmacêutica, oriunda do Estado.
Blog Rede NATJus: E quais são os desafios para a consolidação do NATJus, na sua opinião?
João Henrique: Primeiro é o convencimento das autoridades da importância do sistema e-NATJus. Esse é o grande desafio. Claro que ainda existem outros, como a busca por bons profissionais de saúde, que tenham perfil de parecerista, trabalho muito diverso do trabalho de frente da área da saúde.
O treinamento de qualidade desses profissionais é também um grande desafio. Tivemos um bom treinamento com a ajuda do NATJus do Rio de Janeiro, em uma época em que não havia muita integração com outros NATJus. A distância dos grandes centros era um empecilho que muitas vezes dificultava a atualização de informações, treinamentos ou cursos, e foi preciso buscar alguém qualificado para auxiliar no treinamento dos nossos pareceristas. Agora, com a integração dos NATJus e as novas ferramentas como o Rede NATJus, isso foi superado.
Outra faceta importante é a coleta de dados que considero fundamental, pois, sem medir e sem conhecer sua demanda, não é possível se preparar bem. Coisas simples, como montar uma boa equipe, ficam desafiadoras, e escolher o tipo de profissional de saúde de que você de fato precisa mais. Não é possível responder a questões como essa, sem ter um bom cenário montado em informações confiáveis. Conhecer suas demandas é fundamental, e, desta forma, montar uma boa coleta de dados e ter uma estatística precisa talvez sejam o passo mais importante para um NAT-Jus.
Outro grande desafio, comum entre os NATJus de pequeno porte, é o cuidado com a exposição dos pareceristas. Em regiões em que se tem apenas um pequeno número de profissionais especialistas, é preciso ter ferramentas para garantir a isenção dos profissionais e mais ainda a “proteção” daquele parecerista a qualquer tipo de influência ou “pressão” que possa sofrer. Conseguimos isso com as notas sendo assinadas no mínimo por um parecerista e um revisor, mantendo um “duplo” grau de revisão daquela nota. Quanto à proteção profissional, os pareceres emitidos no NATJus são registrados com matrículas, não são nominais. Contudo, em respeito à publicidade dos atos da administração, basta um requerimento para que o NATJus informe quem foram os pareceristas e revisores que assinaram aquela Nota. Nesse caso, é preciso haver motivação para a obtenção da informação, o que já garante um bom nível de “proteção” da isenção do profissional.
Blog Rede NATJus: Quais foram as boas práticas adotadas pelo NATJus Roraima, e que podem ser utilizadas por outros NATJus?
João Henrique: Primeiramente, foi a criação de um modelo bem completo de coleta de dados estatísticos. Temos um grande número de informações de cada processo de saúde que entra no Tribunal, desde a hora de entrada até o tipo de pedido, natureza da enfermidade, orçamento, tipo de assistência jurídica, médico prescritor, ou seja, o máximo de informações do processo venha ele para o NATJus ou não. Isso nos deu uma imagem tão precisa da judicialização que em alguns casos as próprias autoridades locais de saúde recorriam ao NATJus para ter uma visão estatística mais precisa da saúde do Estado, pois tínhamos mapeado cenários até então desconhecidos para eles. Temos um banco de orçamentos, temos até um controle etário. Recentemente criamos um painel de informações com o perfil das nossas notas, para facilitar a visualização das demandas do nosso NATJus. Este cuidado em acompanhar os processos e ter as informações possibilitou a tomada de decisões quanto ao que era necessário para a redução da judicialização.
Outra prática que virou o jogo foi a adoção de um sistema remoto de trabalho para os pareceristas. Este foi o grande salto para nosso NATJus. Em um estado muito pequeno como o nosso, não se pode retirar um profissional da saúde da sua unidade no meio de um expediente. Assim, tivemos que pensar numa forma de trabalhar remotamente com esses profissionais. Precisávamos de uma plataforma que pudesse ter controle de prazos, arquivo de notas, recados, marcadores nos processos, assinaturas eletrônicas e que possibilitasse a edição de mais de um profissional ao mesmo tempo, visto que cada nota é assinada por pelo menos dois profissionais. Após uma modificação do sistema SEI, tivemos sucesso no formato de trabalho. Atualmente estamos trabalhando para sincronizar nosso modelo de nota ao do e-natjus e assim poderemos fazer o upload das notas de forma muito mais rápida e quem sabe até automatizada.
Blog Rede NATJus: E finalmente, quais são os próximos passos para o aprimoramento das atividades do NATJus Roraima?
João Henrique: O próximo passo que gostaríamos de dar em relação ao NATJus é quanto ao uso de Inteligências Artificiais (IA). Temos experiência do uso no TJRR, muito inicial, mas com potencial enorme, considerando a grande quantidade de informações que transitam, sejam nos NATJus ou entre sistemas. Automatizar ou criar um “assistente” que poderia auxiliar um parecerista na busca por informações em diversas plataformas e sites (nacionais ou estrangeiros), atualmente é um trabalho manual e lento de pesquisa, que poderia ser realizado com um assistente robótico, que entregasse a informação compilada, traduzida de forma rápida. O mesmo assistente poderia coletar e compilar os dados estatísticos, alimentar os painéis de informação. A tomada de decisão dos gestores dos NATJus ficaria muito mais fácil. Este é o próximo passo lógico, porém desafiador. Se conseguirmos, será uma ajuda para todos os NATJus do país.