O blog Rede NATJusA publica uma entrevista com a farmacêutica Márcia Fernanda Silva Macêdo Galvão, mestre em gestão pública e doutora em administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Ela atua como membro do corpo técnico da NATJus de Natal-RN, e como farmacêutica no Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL).
Em sua tese de doutorado, Márcia Fernanda abordou o tema da judicialização. Leia a seguir um pouco de nossa conversa com ela sobre o tema e a atuação no NATJus.
Rede NatJus: Como surgiu a ideia de pesquisar sobre judicialização da saúde?
Márcia Fernanda: Como farmacêutica e servidora pública, me deparava com decisões judiciais envolvendo o deferimento de medicamentos a um grupo seleto de pacientes que buscavam a justiça para obter um benefício que administrativamente (na maioria dos casos) não tinha tido êxito. Ao passo que confrontava tais decisões com as políticas públicas em vigor e com o fluxo de padronização de medicamentos no SUS, bem como com a responsabilização dos entes federativos nesse processo, surgia o interesse de pesquisar e analisar as variáveis presentes nesse complexo caso de pesquisa. Diante dessas inquietações, surgiu a oportunidade de abordá-las em uma tese de doutorado.
Rede NatJus: Em sua visão, o que a judicialização representa para o paciente oncológico que ingressa na Justiça e o que representa para o Estado?
Márcia Fernanda: A judicialização representa para o paciente oncológico uma oportunidade de se efetivar o tratamento solicitado pelo médico assistente, especialmente quando envolve casos em que os protocolos do SUS estão desatualizados e/ou quando o custo de fármaco está acima do valor pago pelo SUS pela assistência oncológica aos prestadores desses serviços (CACON e UNACON) e por isso não é incorporado aos tratamentos nesses centros e unidades. A judicialização representa uma oportunidade para que os entes federativos consigam visualizar problemas emergentes que muitas vezes não estão na pauta da gestão e para focarem no debate e na resolução dos entraves que dificultam a promoção da saúde pública.
Apesar da judicialização ter o potencial de preencher lacunas da saúde pública como explicado acima, as suas distorções (como conflito de interesses, falta de controle na utilização/devolução dos medicamentos e de monitoramento dos pacientes em uso dos medicamentos deferidos judicialmente) podem agravar o cenário de crise, requerendo dos poderes públicos investimentos em ferramentas que minimizem tais impasses e ampliem o diálogo entre os diferentes atores inseridos nas demandas judiciais.
Rede NatJus: Como você avalia a forma como ocorre a judicialização da saúde no Brasil?
Márcia Fernanda: Observamos que os números de demandas judiciais envolvendo medicamentos no Brasil são crescentes a cada ano, não havendo perspectiva para que haja retração de tais ações, ao menos a curto prazo. Contudo, verificamos que os mecanismos envolvidos na judicialização da saúde foram aprimorados e hoje a produção do conhecimento envolvendo o deferimento de medicamentos pode ter o suporte dos núcleos técnicos em diferentes estados, embasando as decisões, dando maior segurança técnica em relação ao deferimento de fármacos por via judicial. Considero também que estamos em constante avanço, apesar de ainda ter muito a ser feito, e acredito que melhorias estão sendo tomadas a citar a utilização do sistema e-natjus que vem inovar o serviço público de modo a difundir o conhecimento produzido nas notas técnicas e pareceres de modo sistemático, objetivo, ágil e transparente. Com isso, definiria que a judicialização no Brasil ocorre de forma ampla em busca de medicamentos, mas com tendência a inovações nos serviços, de modo a diminuir as distorções desse fenômeno e ampliar o preenchimento das lacunas do SUS.
Rede NatJus: Como você relaciona os achados da sua tese com a práticas diárias dentro do NATJus?
Márcia Fernanda: Fazendo um paralelo entre teoria e prática, observa-se que tanto na teoria (resultados dessa tese específica) quanto na prática (como membro do NATJus) são solicitados judicialmente medicamentos por causa da existência de vazios assistenciais, inconsistência com os prestadores de serviços oncológicos e falta de atualização dos protocolos clínicos envolvendo medicamentos oncológicos. Tornando-se ainda mais imperioso o trabalho constante dos NATJUS, o qual por meio das evidências científicas tenta mitigar tais aspectos. Assim, acredito que tanto os resultados encontrados na tese quanto as notas técnicas e pareceres desenvolvidos pelos NATJus, permitem que sejam traçadas estratégias para concomitantemente diminuir os efeitos negativos da judicialização, ampliar a capacidade de debate envolvendo os efeitos positivos e com isso expandir a implementação das políticas públicas de saúde.
Rede NatJus: Na sua opinião, qual tem sido o papel dos NATJus no processo de judicialização no Brasil?
Márcia Fernanda: As atividades desenvolvidas pelos diferentes NATJus, e agora de forma mais sistemática, evidenciadas pelo uso de um sistema único e público, o e-natjus, permitem que sejam feitas análises técnicas fundamentadas nas melhores evidências disponíveis. As análises incluem, de modo sistematizado, informações sobre eficácia, segurança e custos dos medicamentos demandados judicialmente, confrontando os achados com as alternativas presentes no SUS. As avaliações são individuais, caso a caso, valorizando desse modo, dentre outros aspectos, o cumprimento do princípio de equidade do SUS.
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